sábado, 9 de dezembro de 2017

A proa e o casco


Proa e casco são irmãos, um, um pouco acima e o outro, um pouco abaixo.
Abraçados e acometidos para a servidão para aquilo que não serve a ninguém, a não ser ao pedaço do topo que sobre eles reside.
Cabe a eles garantir o sucesso de mais um ano da arte grotesca da pilhagem global.

Em uma jornada em que tudo começa de mal a pior, tem-se de tudo, de maré baixa à direção errada. Não, não há como se orientar, não e não. Nem mesmo as estrelas poderiam ser usadas em dias nublados como os de hoje, muito menos durante a tormenta de logo mais.

No fim, o que é que sustenta os saqueadores do convés?

O navio não pode afundar, mas através do casco e a proa mora o limite entre o naufrágio ou a rapina. Talvez a servidão seja o pior estágio daqueles que estão perdidos, a derradeira progressão da catarata social que lava a todos, proa e casco, de toda culpa que não têm.

Há também tempos de tranquilidade, é claro. De paisagens em sintonia e a sinfonia de quando se tem costa à vista. A poucos metros do exuberante horizonte de eventos, riquezas infindáveis. Nada muito longo, muito menos exagerado. Os desmedidos são milimetricamente calculados para que não se desperte esperança fora de medida dos delicados dedicados serviçais, proa e casco

No fim, o que é que sustenta os saqueadores do convés?

Numa embarcação com tanta bonança, é através da proa e do casco que se garante o soldo das rapinas sem limite.


Já na viagem de volta, o peso do lucro ressoa sobre a proa, não menos sobre o casco. Avariada, proa pressiona o casco, é tempo de garantir algum conforto para os saqueadores do convés em troca de alguma tranquilidade efêmera.
Imbuído de cumprir com seu dever, o casco em uma insistente resistência, quase desiste de não desistir. Com carência de informações sobre a superfície, se resigna em resistir.

O final não pode ser feliz. Não será possível se prosseguir com esta repugnante felicidade imoral. Não, os irmãos não vão se salvar desta vez, não e não. É um contra o outro, todos contra um, ou o um contra o todo. O conflito, que talvez possa não ter errado em sua medida, erra nos alvos. Numa embarcação com tantas contradições, é a proa que atravessa o casco, o limite do naufrágio se aproxima. Apesar de terem sido nascidos para habitar o que seria seu lar por direito, o oceano, numa espécie de gentrificação marítima, aquilo que teria sido um berço, tornou-se no mais asqueroso dos túmulos.

O navio afunda. A balbúrdia fora de lugar, é claro, tem seu viés de justiça poética.
Poucos saqueadores sobrevivem, todos abraçados a pedaços da proa ou do casco.
Tragédia anunciada. Bastaria ter dito somente mais um não.

domingo, 5 de março de 2017

Ana Lídia

E lá vem a barra, mão, pé, areia, mão, empurra, ufa.
Risos leves com a descida, desequilíbrio, tropeços, cordas, que bela subida.
Vai, vem, volta, vai, vai, a altura já não é mais ameaça.
Poderia a métrica entre nós estar porventura invertida?

Pulos descompassados, arrasto lúdico, arrastaço, palpitação sobremaneira desce? Cuidado, desça de frente, mas não pule. Caia do quase tombo, pare com os dois pés.

Aonde iriam os referenciais móveis? Difeomorfo à palpitação portátil, júbilo, saltos nas pontas dos dedos, vê, viés, vens, veja, venha, venha, veenha, vem?

Abraço, alegria, orgulho.
O abajur derrubou um grão de areia. Mais do que o primeiro, vai se tornar estrela.
Lágrimas.